segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Tradições poderosas de povos guerreiros

Oráculos, leituras de relinchos de cavalos e valorização do caráter divino das mulheres: essas eram algumas das características que eram próprias da magia de povos como os germanos e outros a eles associados




Os povos germânicos, que compreendem tanto os germanos das épocas de César e Tácito quanto os vikings escandinavos, tinham a magia como uma forte aliada em seu modus vivendi. No entanto, a magia estava diretamente ligada à religião e esta tinha como uma de suas ferramentas mais eficazes o oráculo. Os primeiros relatos sobre os germanos vêm de Júlio César (100-44 a.C.), em sua Guerra das Gálias. De acordo com o grande general romano, esses povos eram muito dependentes de oráculos. Ao perguntar a prisioneiros por que razão o chefe dos suevos Ariovisto (101-cerca de 54 a.C.) não estava disposto a travar uma batalha geral, ouviu deles que as mulheres consultaram os oráculos e viram que esse não era o momento certo para lutar, pois "os germanos não poderiam ser vencedores se travassem combate antes da lua nova" (CÉSAR, 1989).
Logo mais adiante, César relata que, após resgatar um de seus melhores homens das mãos dos germanos, Caio Valério Procilo, este ouviu de seus captores que por três vezes tiraram a sorte para ver se o queimavam logo ou o reservavam para uma outra ocasião. Procilo acrescentou que só estava vivo por conta da sorte. Outro que observou os costumes das tribos germânicas foi Públio Cornelius Tácito, cônsul e historiador romano (54-120 d.C.). Em sua Germânia, ele nos conta que, mais do que qualquer outro povo, os germanos acreditavam nos auspícios e na adivinhação. Segue uma descrição do primeiro lançamento de runas de que se tem notícia:

“A sua maneira habitual de consultar a sorte é muito simples: cortam duma árvore com fruto uma haste que separam em vários pedaços; depois de os terem marcado com certos sinais, lançam-nos ao acaso sobre um pano branco; em seguida, o sacerdote da tribo, se o caso é de interesse público, ou o pai de família, se trata dum assunto de ordem privada, invoca os deuses, contempla o céu, ergue três vezes cada pedaço, um após outro, e, segundo a marca precedentemente traçada, tira o horóscopo. Se os fragmentos da haste se pronunciaram no sentido duma proibição, não se pode tornar a consultar a sorte nesse dia sobre o mesmo assunto; se, pelo contrário, é no sentido duma autorização, exige-se que a resposta seja confirmada ainda pelos auspícios” (TÁCITO, sem ano).

Relinchos de cavalos

Os germanos utilizavam-se ainda de outros oráculos. Além de desenvolverem a arte de interrogar o canto dos pássaros, interpretavam o voo deles. Consultavam também os relinchos e o resfolegar de cavalos brancos. Tais animais, que nunca eram usados para trabalhos profanos, eram alimentados à custa da nação em florestas e bosques. Atrelados ao carro sagrado, os cavalos brancos eram acompanhados pelo sacerdote, juntamente com o rei ou o chefe da tribo. Seus relinchos e resfolegares eram observados cuidadosamente. Esse oráculo era da mais alta confiança. Desde os homens mais simples até as grandes autoridades, todos confiavam plenamente nele, pois os sacerdotes acreditavam que esses cavalos brancos eram os confidentes dos deuses, enquanto eles eram apenas os ministros. No caso do desenlace de uma guerra, Os auspícios eram interpretados de uma forma peculiar. Um prisioneiro da nação que estava em guerra com os germanos e que havia sido capturado surpreendentemente, era escolhido para lutar com um de seus compatriotas. Cada um teria que lutar com a arma característica de seu país. O vencedor do duelo designava a nação vitoriosa. Tal prognóstico era tido como infalível. Quando os germanos iam tratar de alguma questão importante referente às suas tribos, reuniam-se em assembleias em determinados dias, que correspondiam aos períodos da lua nova ou da lua cheia: "Segundo eles, não há auspícios mais favoráveis para se começar a tratar duma questão" (TÁCITO, sem ano).

Predições Femininas

As mulheres possuíam uma posição de grande respeito entre os germanos. Eles acreditavam que havia algo de divino e profético nelas. Por esta razão, sempre ouviam seus conselhos e acreditavam piamente em suas predições. Duas delas se tornaram tão famosas que foram cultuadas quase como se fossem divindades: Aurínia e Veleda. Quanto a esta última, vivia entre os Bructeri, reclusa em uma torre. Lá, ela atendia as pessoas, sendo intermediada por um parente. Este interpretava suas respostas, tal como o sacerdote do Oráculo de Delfos, que, após ouvir a pitonisa, "arrumava" suas palavras e as passava ao consulente. Segundo Patrick Louth, em seu livro A Civilização dos Germanos e dos Vikings, há uma descrição de Veleda, conhecida como "aquela que vê", que consta do nono livro de uma obra denominada Mártires, de autoria de Chateaubriand: "Sua estatura era elevada; uma túnica negra, curta e sem mangas servia apenas para velar sua nudez. Carregava uma foice de ouro presa num cinto de bronze, e estava coroada com um ramo de carvalho.
A brancura de seus braços e da sua tez, seus olhos azuis, seus lábios rosados, seus longos cabelos louros que esvoaçavam soltos caracterizavam uma jovem gaulesa, e a suavidade do conjunto contrastava com seu porte altivo e selvagem". Apesar de Chateaubriand descrevê-la como uma gaulesa, e do seu nome ser de origem céltica, Veleda era uma vidente germânica. Ela só predizia aos germanos e exaltava os grandes chefes, tais como Civilis, líder da rebelião dos batavos contra os romanos em 69 d.C..

Quando a frota desse líder germânico se apoderou de uma frota romana, ele ofereceu a galera pretoriana a Veleda. Enviada a Roma como embaixatriz para negociar a paz, Veleda, poeno entanto, sete anos depois, incitou os germanos para um novo levante contra os romanos. Mais tarde, foi aprisionada e deportada. Segundo o historiador Johnny Langer, em seu artigo intitulado Religião e Magia entre os Vikings:
Uma Sistematização Historiográfica, a religião escandinava durante a Era Viking (séculos VIII a XI) não era organizada, não possuindo templos, dogmas, sacerdotes especializados ou orações. Limitava-se a cultos nos quais a magia era o ponto central. No entanto, era muito objetiva, baseando-se na expressão "dou para que me dês". Geralmente, o escandinavo escolhia um fulltruí (protetor), que chamava de amigo, portando, inclusive, um amuleto com sua imagem. Invocava o seu deus sob a forma de petição e não de oração: "Ofereço-te isso e me darás aquilo em troca". Como não havia uma ordem sacerdotal constituída, cabia aos reis e chefes o ministério da fé nos deuses. Na Islândia, eles eram conhecidos como goðar (singular goði). O blót era um sacrifício semidivinatório e semipropiciatório, considerado como o grande ritual da magia germano-escandinava. Sua finalidade era reforçar os poderes da divindade, para que esta pudesse realizar aquilo que era desejado pelo fiel. Assim como as germanas, as escandinavas estavam diretamente ligadas à religião.

Suevos

Os suevos constituíam uma poderosa confederação de tribos germânicas que habitavam a região situada ao norte do rio Reno. Aparecem em A Germânia, de Tácito, como um dos povos que se originaram do deus Manos, que por sua vez era filho de Tuísto, nascido da Terra. Ele diz ainda que essas tribos cultuavam a deusa Ísis, cujo símbolo era um pequeno navio, o que atesta a sua origem estrangeira.
Os suevos usavam os cabelos para trás, presos por um nó, que os diferenciavam tanto dos demais germanos quanto dos escravos. Tinham por hábito também levantar os cabelos, dando um nó no alto da cabeça. Os chefes faziam isso com uma arte toda especial.

Não se tratava de vaidade, mas de uma maneira de parecerem mais altos e mais terríveis aos olhos do inimigo, quando avançavam para o combate. Dentre os suevos, destacavam- se os Sémnones, pois eram os mais antigos e nobres. Tal fato é confirmado por um remoto culto religioso praticado por eles.
Numa época determinada, grupos de deputados de cada uma das tribos que compunham a nação dos Sémnones reuniam-se em um bosque sagrado e consagrado pelas cerimônias realizadas ali por seus antepassados. Um homem, então, era decepado em nome de todo o povo, dando início aos horríveis mistérios desse culto bárbaro.
O respeito por esse bosque era tão grande que aqueles que penetravam nele o faziam com os pés amarrados, para reconhecer a sua inferioridade perante o deus que governa todas as coisas. Se por um acaso, um indivíduo caía, não lhe era permitido levantar-se: ele tinha que ir se arrastando pelo solo até a saída da floresta.

Odin

Usavam vários instrumentos de magia, inclusive as runas, para trabalhos de controle dos elementos da natureza, proteção, cura e adivinhação. No entanto, apareciam mais nos ritos domésticos e familiares do que nos ritos públicos. Os membros da elite nórdica cultuavam Odin (correspondente ao Wotan germânico) e acreditavam que iriam para o Valhalla, o paraíso nórdico, após a morte. Já os camponeses e fazendeiros preferiam o deus Thor (o Donner germânico) e os deuses Vanir (deuses relacionados com as questões de fertilidade, fecundidade, paz, prazeres, etc.). Eles acreditavam que quando morressem seriam recebidos pelo deus do trovão em seu grandioso palácio, chamado Bilskirnir, o maior de todos, pois, segundo Snorri Sturlusson, em sua Edda em prosa, "naquela fortaleza há seiscentos e quarenta aposentos e ela é a maior morada conhecida pelos homens".

Óðinn, o deus supremo do panteão escandinavo, pertencente à principal estirpe dos deuses, os Æsir, estava diretamente ligado à magia. A criação mítica das runas é atribuída a ele. Diz o mito que, após dar o seu olho esquerdo em troca de um gole da fonte da sabedoria, guardada pelo sábio Mímir, feriu-se com a própria lança e se dependurou nos galhos de Yggdrasil, a árvore-sustentáculo do cosmos. Ficou balançando por nove dias e nove noites sem nada comer e sem nada beber. Ao final desse período, vislumbrou as runas, símbolos da tão almejada sabedoria. Tal episódio é descrito no Hávamál, poema constante da Edda maior ou Edda poética, que, juntamente com a Edda menor ou Edda em prosa, ou ainda Snorra edda, do líder islandês Snorri Sturlusson, constituem os épicos escandinavos. Óðinn, suspenso pelos pés, teria dito o seguinte, de acordo com o Hávamál (os ditos de Har, ou Odin):

"Sei que pendi nove noites inteiras da árvore que balança ao vento; ferido de lança e a Odin oferecido - eu mesmo oferecido a mim mesmo - pendi da árvore que ninguém sabe as origens de suas raízes. Nem pão me estenderam nem copa alguma Fixo no fundo olhei; As runas alcei, as ganhei entre gritos; Caí por terra de novo."

A perda do olho esquerdo, na verdade, não foi suficiente para que Odin adquirisse a sabedoria. Era necessário algo mais. Como foi dito acima, o rei dos deuses nórdicos "depois de se ferir com a própria lança, precisou se dependurar nos galhos de Yggdrasil, o freixo que, segundo os escandinavos, era o sustentáculo do mundo, ali ficando por nove dias e nove noites. Ao final da última noite, surgiu então a sabedoria, o conhecimento por meio das runas" (MONIZ, Luiz Claudio, 2007).
O episódio do sacrifício de Odin trata-se de um antigo rito de mutilação "praticado por xamãs de várias tribos indo-europeias no intuito de adquirir tanto saber quanto poder. Odhinn-Wotan é um deus sacerdote, sendo colocado por Dumézil na primeira função a da soberania" (MONIZ, Luiz Claudio, 2007).

Hilda Davidson, em seu livro Deuses e Mitos do Norte da Europa, reconhece nas práticas sacrificiais de pendurar homens em árvores, práticas essas associadas tanto ao Wotan germânico quanto ao Óðinn escandinavo, atributos xamanísticos. Ela acrescenta que "há uma boa dose de evidências em várias partes do mundo a respeito do treinamento de homens e mulheres jovens para se tornarem xamãs".
Nos relatos de cerimônias de iniciação vividas pelos noviços, há semelhanças com essa imagem do deus em sofrimento. Tido como o criador mítico das runas, Óðinn é tanto o detentor de sua magia quanto da técnica de sua utilização como oráculo. As runas, na verdade, não são símbolos mágicos, são letras que compõem um alfabeto.

Eram utilizadas, no entanto, para fins objetivos tais como a escrita, mas podiam ser manuseadas para a prática de magia e como oráculo. Cada letra possuía um efeito especial de feitiço que o Rúna-meistari, o especialista em runas, conhecia muito bem. Segundo Langer, a prática da gravação de runas era um privilégio da aristocracia, inclusive existiam escolas especializadas no assunto. As runas eram gravadas em objetos no intuito de serem usados como uma espécie de talismã, cujo objetivo era a proteção. Armas foram marcadas com a runa conhecida como Týr, atribuída ao deus de mesmo nome, o deus da guerra, dos juramentos e tratados. Týr, juntamente com Óðinn, como já foi visto anteriormente, foi colocado por Georges Dumézil na primeira função de sua teoria trifuncional. A utilização mágica das runas, conhecida como valgalldr, era indicada para várias situações. Além de proteger objetos, tais feitiços podiam, segundo Langer, "extinguir fogos e tempestades, curar, cicatrizar feridas, obter amor de uma mulher e discorrer sobre o futuro". Langer diz ainda que havia runas da vitória (sigrrúnar), gravadas nas espadas; runas da cerveja (ölrúnar), gravadas nos cornos de beber; runas de proteção (bjargrúnar), que eram inscritas sobre a cabeça do indivíduo que fazia os partos; runas de ondas (brimrúnar), gravadas em navios, no intuito de protegê-los; runas de ramos (limrúnar), gravadas na madeira para favorecer as curas; runas da fala (málrúnar), cujo objetivo era dar eloquência aos oradores nas assembleias e as runas de sentido (hugrúnar), que facilitavam o entendimento das coisas. Havia também runas tidas como secretas e que eram de dois tipos: as "runas suspensas" e as "runas de ligadura", que eram utilizadas "como escritas secretas, ações militares, manuscritos e procedimentos mágicos" (LANGER, Johnny, 2005).

Segundo as Eddas, Óðinn, além do domínio de alguns tipos de magia, como a rúnica, aprendeu com a deusa Freia, a magia seiðr. De acordo com Snorri, Freia, além de seus atributos conhecidos por todos, tais como a beleza, o amor e, como líder das valquírias, a condução das almas dos mortos, era também uma sacerdotisa Vanir. Ela teria ensinado o seiðr aos deuses Æsir, especificamente a Óðinn. Segundo as fontes, usava-se para a prática desse tipo de magia uma plataforma elevada sobre a qual a volva (ou um indivíduo do sexo masculino) se sentava, entoava encantamentos e entrava em um estado de êxtase. Às vezes, o ritual era acompanhado de outras pessoas que formavam um coro, além de tocar música, algo parecido com as tragédias gregas. Quando a cerimônia terminava, a volva respondia às perguntas a ela dirigidas, geralmente envolvendo a estação vindoura, a esperança nas boas colheitas e os futuros relacionamentos entre os homens e as mulheres da aldeia. O seiðr, algumas vezes, era mencionado como um tipo de magia prejudicial.

De fato, Georges Dumézil em Do Mito ao Romance, fala da diferença entre as magias dos Æsir e dos Vanir, dizendo que a desses últimos seria inferior, baixa, repugnante e censurável, enquanto a dos primeiros seria nobre. No entanto, o seiðr aparece, na maioria dos relatos, como uma magia de adivinhação. Hilda Davidson diz que as volvas praticantes do seiðr "costumavam viajar pela região para visitar as fazendas e estar presentes às festas, e que costumavam dar respostas àqueles que lhes faziam perguntas".

Runas

As runas são letras germano-escandinavas que formavam um alfabeto chamado Futhark. Além da utilização em poemas, epitáfios, pedras comemorativas e registros de transações comerciais, as runas foram e são largamente usadas também em sua forma mágica e sagrada, ou seja, como oráculo e como fonte de encantamentos. O epigrafista Raymond Page diz que o Futhark Antigo, composto por 24 runas, desapareceu a partir do séc.
As runas são letras germano-escandinavas que formavam um alfabeto chamado Futhark. Além da utilização em poemas, epitáfios, pedras comemorativas e registros de transações comerciais, as runas foram e são largamente usadas também em sua forma mágica e sagrada, ou seja, como oráculo e como fonte de encantamentos. O epigrafista Raymond Page diz que o Futhark Antigo, composto por 24 runas, desapareceu a partir do séc.
Os vikings utilizaram-se das runas para práticas mágicas e oraculares, no entanto, os métodos para a leitura são desconhecidos, assim como as letras que eram empregadas. Segundo o dr. Johnni Langer, "somente as 16 runas do sistema novo (ramas longa e curta) continuaram a ser utilizadas para operações mágicas entre os vikings, mas não sobreviveram vestígios físicos para comprovar isto, a não ser espadas e lanças com a runa Tiwaz".

.:: Leituras da História

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