Jordanes, historiador godo, nos diz que “é da Ilha de Scanzia, que podemos chamar de fábrica de nações ou reservatório de povos, que os godos parecem ter saído (...)”. Essa Scanzia, a atual Escandinávia, era povoada por um grande número de nações. A maioria dos grupos, que participaram das migrações, era proveniente da Escandinávia meridional, outros da costa da Alemanha e dos Países Baixos. Suas tradições marítimas faziam com que estivessem em permanente contato e que começassem a investir juntos sobre a Bretanha, no final do século III, destruindo a autoridade de Roma na ilha.
Nesse “oceano germânico” que é o Báltico, emigrantes originários de povos inexoravelmente confundidos, começaram a expandir-se, tanto na direção leste quanto oeste. É muito difícil distingui-los uns dos outros, pois só os mais importantes, ou os que foram mais felizes na guerra, deixaram o nome na posteridade. O velho fantasma da coesão étnica foi espantado pelos fatos. Nada serve para procurar a origem de um grupo determinado, pois todos provêm de agrupamentos posteriores às migrações.
Um clã escolheu seguir um chefe de prestígio, tido como invencível, sem se preocupar com o lugar de onde viera. Esse fenômeno foi reforçado no noroeste da Europa por uma semelhança de línguas, tanto que os lingüistas chamaram de velho saxão e velho inglês uma espécie de matriz comum a toda uma era geográfica que englobava aquela área. Desde finais do século III, tornou-se claro o perigo que os francos e os saxões representavam para a parte setentrional do Império Romano. O mar do Norte estava a ponto de se tornar “germânico”, ou seja, ali, a potência romana estava mais ou menos ausente.
Foi nesse contexto que em março de 286 a Gália e a Bretanha insular (atual Grã-Bretanha) reuniram-se num único setor militar, cujo comando foi confiado a um homem de armas de origem bárbara, Caráusio. No início, sua autoridade limitava-se ao litoral da Gália e à ilha da Bretanha, mas em razão de vitórias obtidas rapidamente a partir daquele ano, Caráusio se impôs de tal maneira que governou durante uma década esse que chamamos o primeiro Estado britânico-gaulês. De imediato, ele tentou aumentar suas possessões continentais, sem deixar a Gália do Norte. Comportava-se como um verdadeiro césar romano. Em 289, o imperador Diocleciano enviou um exército comandado por Maximiano para enfrentá-lo, mas foi vencido durante uma batalha naval.
Poder restabelecido
Caráusio não foi reconhecido por Diocleciano; para marcar sua autoridade ele multiplicou as operações militares, até ser assassinado. Certos de sua inferioridade nesse campo, a fim de evitar uma nova batalha naval, os romanos, sob o comando de Constâncio, desembarcaram perto da ilha de Wight e restabeleceram o poder de Roma na região.
Durante a primeira metade do século IV, a Bretanha insular, que havia se tornado novamente romana, conheceu segurança e prosperidade relativas. Prontamente voltaram a eclodir guerras intestinas, o que enfraqueceu bastante o exército romano. A partir de 354, o perigo delineava-se mais uma vez: os francos e os saxões de um lado, os pictos e os escotos de outro, assediavam as zonas de domínio romano. No continente, as incursões bárbaras ameaçavam a Gália do norte, interrompendo as rotas de abastecimento. Apesar dos decididos e corajosos esforços do imperador Juliano, que em pessoa liderou o combate em todas as frentes do norte do Império, a situação se degradou. Quando de sua morte, em 365, ocorreu uma nova invasão dos alamanos na Gália, e os ataques bárbaros recomeçaram na Bretanha.
Em 367, os saxões, que até então só tinham empreendido algumas ações isoladas, atacaram em conjunto e acrescentaram suas investidas às dos pictos e dos escotos, provocando um desastre total: o exército romano foi derrotado às portas de Londres. A conjunção de forças bárbaras, de interesses contraditórios entre si mas determinadas a expulsar os romanos da ilha, tinha se revelado eficaz. No entanto, pela última vez os romanos conseguiram restabelecer o controle da situação. Valentiniano I reuniu às pressas suas melhores tropas, que desembarcaram em Richborough e marcharam sobre Londres.
A Bretanha romana foi reconquistada, e as fronteiras restauradas e reforçadas. Parece que a ação de piratas saxões que ameaçavam cortar relações com o continente foi considerada mais perigosa do que as investidas dos pictos ao norte e as dos escotos na Irlanda. O dispositivo de defesa da costa foi repensado em razão da terrível derrota de 367. Mas como a ilha da Bretanha ficava na periferia do Império, assim que o perigo se delineou no continente, sua defesa foi novamente negligenciada; as melhores tropas retomaram o caminho da Itália. Na Gália, as usurpações sucederam-se, até que Estilicão, novo senhor do Ocidente, reforçou mais uma vez os dispositivos defensivos ao fazer uma inspeção, em 396. Foi nesse contexto de relativa paz recuperada que houve a grande invasão de 406, na Gália: os germânicos passaram pelo Reno na direção de Mogúncia e, como resume de modo lapidar o historiador Lucien Musset, “tudo desmoronou”. Isolada do continente, a ilha da Bretanha conheceu sucessivamente três invasores, em alguns meses. Bem informados, os saxões precipitaram-se rumo à Bretanha insular para ali permanecer e criar um novo reino. O historiador grego Zózimo escreveu a esse respeito: “Os bretões, em recusa à dominação romana, viviam a seu próprio modo, sem obedecer às leis romanas”. Eles devastaram o país. Nas raras fortalezas onde ainda havia resistência, os pedidos de ajuda multiplicaram-se, mas era muito tarde. O Império já não tinha meios de intervir.
Em 410, Honório, impotente, respondeu aos bretões que eles mesmos deviam enfrentar o perigo saxão. O Império Romano não renunciou formalmente à Bretanha, mas dali em diante sua influência sobre a ilha terminaria. Somente o sudeste resistiu durante algum tempo, mas como a rota marítima da região do Pas-de-Calais (no extremo norte da atual França) estava praticamente interrompida, o último bastião mergulhou no isolamento.
Alguns vestígios da organização política romana permaneceram entre os bretões em luta contra os saxões, como menciona a obra que descreve a vida de São Germano de Auxerre, que foi à ilha em 419. Por meio dela, ficamos sabendo que os saxões faziam incursões até as portas de Londres. Por ocasião de uma segunda visita dele, entre 440 e 444, a situação parecia ainda mais precária. Vários sintomas indicam que em meados do século V teria acontecido a derrocada da administração. Definitivamente, eram os últimos contatos dos bretãos com o continente. - Tradução de Marly N. Peres
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